ACHEGAS PARA A HISTÓRIA DE MOURÃO
Mourão nas Lutas Liberais
Estórias que fazem a História
São escassas as referências a Mourão no período das lutas liberais, também conhecida como Guerras Liberais, ou Guerra dos Dois Irmãos, mas as poucas que existem permitem afirmar que Mourão não foi decerto imune.
«Toda a guerra civil é triste. E é difícil dizer para quem mais triste, se para o vencedor, ou para o vencido.
Ponham de parte questões individuais e examinem de boa-fé: verão que, na totalidade de cada fração em que a nação se dividiu, os ganhos, se os houve para quem venceu, não balançam os padecimentos, os sacrifícios do passado e, menos que tudo, a responsabilidade pelo futuro...» in- Viagens da minha terra
Esta passagem de Almeida Garrett nas Viagens na Minha Terra espelha bem o modo pungente como a guerra civil era recordada, mesmo por alguns daqueles que nela participaram do lado vencedor. Deste modo, não é de estranhar que a evocação desta guerra, como época de sofrimento fratricida, constitua um assunto incómodo, abordado de forma quase sempre idealizada, depurada dos seus aspetos mais chocantes.
A guerra civil travada em Portugal entre os liberais constitucionalistas e os absolutistas, foi uma era de opressão e de tirania. As prisões encheram-se de vítimas, milhares de pessoas foram degradadas para África e muitas outras expiaram na forca as suas ideias liberais. Ainda hoje existe em Mourão uma rua com o nome“ rua do alto da forca”, aludindo ao antigo local da existência de uma estrutura de má memória e de macabra serventia. Este estado de insegurança obrigou os partidos organizarem os seus próprios braços armados, formado grupos de guerrilheiros civis, onde gente de Mourão teve decerto participação ativa.
Segundo as minhas investigações, um dos membros da junta de guerrilheiros rebeldes no Alentejo, foi o mouranense António Joaquim e Abreu Moniz Guião, Baicharel formado em leis, juiz de fora, nascido em Mourão, em 20 de julho de 1797, filho do Dr. João António Inácio de Abreu Souza Guião (cujo brasão ainda se encontra na praça) e de Genoveva Leocádia Botelho Moniz, acérrimo defensor da carta constitucional, referenciado no Diário da câmara dos senhores deputados-Ano1826 nos seguintes termos:
Moura «António Joaquim de Abreu Moniz Guião, promoveo e proclamou a Rebelião naquela villa; Fugiu com os rebeldes e capitaneou os bandidos chamados guerrilheiros.-- Demitido »(1)
Foi demitido peço decreto de 27 de janeiro 1827.
Consta que forças miguelistas do Algarve, parte dos rebeldes de 14 e caçadores 4, entraram em Portugal, por Barrancos (Alentejo) , em 4 de dezembro de 1826, vindo a juntar-se em Mourão, como reforço das tropas miguelistas, do brigadeiro Magessi, que tinha sido nomeado general do Alentejo e Algarve, pelo marquês de Chaves. Este general trazia consigo os regimentos de infantaria 17 (2.º de Elvas) de cavalaria n.º 2, 90 praças de cavalaria n.º 7, que tinha aprisionado em Vila Viçosa, e vários contingentes de diversos corpos, que se lhe tinham reunido. Fugiram de Vila Viçosa com duas companhias de milícias e os «dinheiros públicos» do «cofre»pela estrada e Monsaraz para Mourão, onde entraram em 6 de dezembro de 1826.
Num extrato de uma carta particular, escrita em Elvas em 11 de dezembro de 1826, dirigida ao diário político“ O PORTUGUÊS" lê-se o seguinte:
«(...) O comandante em chefe é o famigerado Magessi, e o segundo no comando é o Canavarro, aquelle aquém no Rio de Janeiro se fez conselho de guerra e foi declarado indigno, por cobarde, de mandar qualquer corpo motivo mais para ser mui digno de capitanear traidores, rebeldes, e salteadores. Maguessi tem três ajudantes de campo um deles chamasse Pizaro e os outros ignoro os seus nomes. Figura de ajudante general o tenente-coronel António José Doutel, de quartel mestre general D. Gil Eanes, e de secretário militar o Guerreiro. Canavarro comanda agora o 14, o major Brinquem o 17,o major Gama a cavallaria, o tenente-coronel Alpoim os caçadores 4 e os desertores.e o tenente-coronel Matta os 10 homens de artilharia. Nesta devisão há alguns paisanos, e consta que em Mourão, se lhe juntaram os officiais fugidos de Peniche. Antes de entrarem em Portugal receberam 60 cartuxos cada praça, além de munições de guerra em carreias e foram pagas até ao final de novembro de pret e etape. a estes arranjos presidiram as authoridades hespanholas, e desde a entrada dos rebeldes n’esta provincia teem mantido conrespondencia activa.»(2)
Há noticia de que quando «Entraram em Mourão cometeram as maiores hostelidades. Nenhum individuo de casaca, deichou de ser perseguido, insultado e preso. Os roubos, insultos, e patifarias excedem a compreensão humana, e tudo quanto nos transmite a tradição acerca dos vândalos fica a perder de vista»(2)
A presença de tamanha força militar rebelde afeta ao partido absolutista de D. Muiguel, terá intimidado a população, havendo noticia de que o juiz de fora de Mourão «Caetano José Gonçalves de Carvalho,unio-se aos rebeldes quando entraram na dita vila, aclamando o seu governo, convocou e armou o povo; e desapareceu quando os facciosos se invadirão- Ouve o lugar por acabado.» (1)
Sabe-se no entanto que, as actividades de Magessi no Alentejo não passaram de uma sortida a Vila Viçosa (onde, aliás, encontrou resistência), da tomada provisória de Mourão e da entrega ao «povo» de proclamações e folheto. Nenhuma praça importante caiu e, prudentemente, Magessi, acantonado em Espanha, reduziu as suas ambições a um ocasional reconhecimento.
Estória :
As guerras deixam sempre um sentimento de ódio que se prolonga para além dos acordos de paz , fazendo por vezes mais vitimas que a própria guerra. Sou aqui assaltado, pela recordação de uma estória que ouvi em Mourão nos tempos da minha meninice, contada, repetidas vezes aos serões, por dois homens antigos da vila, dizendo que a mesma já lhes tinha sido contada pelos seus avós. Estória esta que, remonta ao tempo da guerra civil fratricida, que opôs os irmãos D. Pedro e D. Miguel, ou seja, liberais e absolutistas.
Acreditando no velho ditado de que“ quem conta um conto acrescenta um ponto” tentarei aqui então resumir esta estória dizendo que se instalou um clima de terror na vila de tal modo perigoso que qualquer pessoa, que se manifestasse contra o regime, ou se tornasse desafecto do senhor seu “patrão” corria o risco de ser morto à traição à facada ou à machadada às esquinas das ruas pouco iluminadas da vila.
A ser verdade esta estória, contada de geração em geração pela gente antiga da vila, quem sabe afinal se estes assassinatos não foram praticados por gente, pertencente ao bando de guerrilheiros chefiados pelo célebre “Remechido” grupo armado partidários de D. Miguel, que se sabe ter operado nas terras algarvias e em todo o Alentejo?!...
Texto: Francisco Capelas
foto: caricatura representando D. Pedro IV e D. Miguel disputando a coroa portuguesa, por Honoré Daumier, 1833.
Fontes:
(1) -Diário da câmara dos senhores deputados-Ano1826 (pag. 457)
(2)- O Portuguez- Diário Político, literário e Comercial- 2 /dez/1826
"Texto Francisco Capelas"